domingo, 21 de novembro de 2010

“ATÉ DEUS JÁ GOSTOU DE MIM!”

"Eu não fui assim a vida inteira..." Foi esta a frase que ouvi ao parar pra dar atenção a um mendigo, no centro da cidade.

Por todo o dia fiquei pensando nas palavras daquele homem; atingiram-me.

- "Cê pode até duvidar, mas já teve gente que gostava de mim!" - Gritava ele a um metro e meio de distância.

- "Se bobear, 'irmão', até Deus já gostou de mim, eu já prestei, eu já tive casa e tudo, emprego bom tive uns cinco e amigo era pra todo lado, cê tem que ver a lindeza da princesa que deixei em casa!”.

Ele me mostra uma foto amarrotada surge nas mãos encardidas, um bebê.

Fiquei calado esperando o fim do dolorido discurso. Transtornado pelo álcool e por drogas as chances de uma conversa decente eram nulas; entreguei-lhe uma cédula de cinco reais sem ao menos “tecer algumas recomendações” que nós ‘cristãos’ temos o péssimo hábito de fazer; não obstante, meu pensamento saiu dali encharcado com as imagens que as palavras daquele mendigo fizeram brotar.

“Eu não fui assim a vida inteira, eu já prestei...”. Pensei comigo mesmo: “É, eu também não!”.

Andei desconfortável por vários quarteirões; pregaria em instantes e todo o meu entusiasmo se desvanecera; deprimi. Sem vontade pra nada, além da vontade de chorar.

Como é triste encontrar gente assim! Gente que de uma hora pra outra abre os olhos e descobre que o seu passado virou fumaça e o seu presente é o resumo do caos; lixo e roupas sujas e comida velha e moedas de pequeno valor e pontas de cigarro e cachaça ruim e cheiro de urina e gente limpa que se desvia e gente limpa que lança moedas de pequeno valor. Nenhum valor.

Esqueci-me do sermão e do compromisso na igreja onde iria pregar e percebi o universo rasteiro que me rodeia e que muitas vezes nem noto; mendigos pra todo lado.

Aspirei e senti o cheiro característico e até pouco tempo comum, cheiro de gente de rua. Gente assim.

As vezes tenho a sensação desagradável de estar fazendo as coisas pela metade, fazendo de um jeito que não acaba bem; as pessoas saem dos centros de recuperação e nem mesmo estréiam seus documentos novos e suas vidas novas e já estão de volta; um olhar inexpressivo e uma história repetida; sobrou isso.

Identifico isso tudo nas conversas do reincidente, aquele que saiu do centro de recuperação onde ficou meses e meses sem drogas, sem álcool, sem roubar, e com sorte ouviu sobre o amor de Deus, até mesmo, com muita sorte experimentou esse amor; agora é ele e a rua e o placar já começa contrário.

Quando não encontra acolhida em casa, nem na igreja, sequer trabalho arruma, vai rondar e rodear velhos companheiros, velhos lugares e sente-se confortável, aceito e seguro; por um tempo é assim.

Ser ex é sempre um drama, não é mesmo?

Quando a sensação de conforto se torna inquietação, a aceitação vira cobrança e a segurança não é mais tão segura assim, volta para o centro de recuperação, único lugar seguro e familiar e onde ele sabe que mesmo que por um pouco de tempo será cuidado e amado, mais um pouco. Amado.

A conversa daquele moço me trouxe essa questão e agora só penso nisso: O que a Igreja... digo... EU E VOCÊ... temos feito a respeito de gente assim?

Deus te abençoe!

Sérgio Müller

Um comentário:

Fuxico.comvoce disse...

Olá,
Faz tempo que não faço uma visitinha aqui no seu Blog, Parabens, cada dia melhor.
Bjs, fique com Deus, e continue nos abençoando com as suas mensagens...